segunda-feira, 19 de maio de 2008

Morte Súbita

-Rê! Rê! Rêêêêê! E as últimas sonoridades da palavra foram apagadas pelo barulho de algo que parecia milhões de latas sendo amassadas em um mesmo segundo. Levantou a cabeça a tempo de ver outro carro cantando pneus em uma tentativa desesperada de não lhe atingir o flanco, os pneus pararam de cantar e se fez finalmente o silêncio, não o que esperava, não o que achou que finalmente ia encontrar.
Foi recebido por um rosto familiar, achou estar confuso após a colisão, mas apressou-se a conferir se tudo a sua volta corria bem, foi inundado por um espírito paternal, se pôs a resolver tudo, se tivesse feito qualquer outra coisa na sua vida com a mesma gana jamais haveria de ter falhado. Foi acometido de lembranças da época de auto escola, faces que em outra situação jamais haveria de lembrar entraram em sua mente e lhe disseram o que fazer, procurar por vítimas, reduzir os riscos e sinalizar. Resolveu tudo com maestria, enfim após ter certeza de que estava tudo bem com todos, fez um pequeno check-up para garantir que também estava inteiro.
Afastou-se da gasolina e sentou para fumar, a adrenalina havia abaixado. Dores lancinantes invadiram-lhe o peito, não conseguia respirar, mas em vez de se entregar a posição fetal e ao choro, contou a primeira piada e tudo se tornou fácil. Riu, riu e riu, como se tudo fosse uma grande comédia melodramática, riu até não agüentar mais a dor no peito, e enfim parou e pensou.
Pensou no palmo, no único palmo que o separou do poste, lembrou do cinto de segurança que havia se tornado um hábito desde que começou a andar na frente no carro dos pais e avós, pensou que o detalhe que podia ter sido deixado de lado, havia o deixado praticamente ileso e riu novamente e contou piadas até todos ficarem irritados e resolverem ir embora, não importava ele estava inteiro, por incrível que pareça. Enfim levantou e decidiu de uma vez por todas se entregar a vida, havia dado mais um beijo de língua na morte, o flerte já havia ficado para outras épocas. Enfim levantou e riu, pois ele, por incrível que pareça, por mais inacreditável que fosse, saia andando para mais uma festa, para mais um flerte, para mais uma vida, talvez a última, talvez não. Quem sabe?

60 minutos do primeiro tempo

Havia decidido mudar, mas dessa vez com tanta força que acreditava finalmente ter conseguido, como acreditava pelas teorias sobre psicodelia, que quem muda, muda também o setting, terminou na rodoviária com a passagem para São Paulo em mãos, era uma manhã fria na capital catarinense e ele estava cansado após a noite mal dormida, ou melhor, não dormida, logo que chegou, sentiu um pequeno ar de sucesso, que fazia tempo que não sentia.
Resolveu então fumar um cigarro, e como pela primeira vez na sua vida parecia se importar com o demais, saiu do recinto de cheiro acre e de chão imundo que era a rodoviária daquele lugar para fazê-lo, olhou para os lados até ter certeza de estar sozinho, como se pela primeira vez a auto-agressão fosse um crime, tateou os bolsos para achar o maço novo, recém aberto, e trouxe o cigarro a boca, demorou para encontrar o isqueiro, o que parecer ser uma eternidade, sempre tenso como um animal ameaçado pelo que vinha dos outros, achou finalmente. Sentiu o ar quente solto pelo isqueiro acerta-lhe o rosto, logo em seguida a fumaça azulada da ponta subia ao ar e a fumaça quente descia-lhe pela garganta para preencher os pulmões. Sentiu prazer.
Fumou por algum tempo, trocando rapidamente o foco, para não pensar, não podia pensar, sabia que não conseguiria conclusões então resolveu matar todo o processo, viu um casal feliz que parecia se encontrar depois de longa data e percebeu que falhou, mesmo forçando a visão para outras linhas, foi inundado por visões de si mesmo em épocas mais felizes. Durante um segundo ou talvez toda uma era, relembrou os amores platônicos, os beijos apaixonados e as juras de amor insensatas.
Tomou uma decisão, sabia o que queria e aquilo era o que queria, ficou feliz de ter falhado em chacinar seus pensamentos, havia ainda coisas boas a se pensar, a se lembrar e assim, muitos sentimentos a se repetir, não era tão vazio quanto imaginava, ou melhor, como um tempo atrás com todas as suas forças desejou.
Percebeu um homem de tez negra aproximar-se ressabiado, como um outro animal assustado, tinha a tez de um negro completo, sem brilho, mas as mãos e pés estavam sujas de um cinza, a mistura de cores e o cheiro do homem revirou o estomago, lembrou que não comia a muitas horas, sentiu-se enjoado e já tateou o bolso em busca do maço novo de cigarros, sabia que era isso e somente isso que aquele homem desejava, sabia que não se misturavam, por maldade dos fatos, ou apenas por certezas sem verdades que os dois carregavam.
Torceu para que a abordagem não demorasse, torceu e torceu por todo um longo tempo, uma grande barreira separava os dois, e ele sabia disso, ambos eram homens invisíveis para o outro.
Mas a barreira se quebrou, eliminando a tensão:
-O senhor pode me arrumar um cigarro? – Achou graça de ser chamado de senhor, não acreditava nos títulos, mas não riu, apenas retirou a mão preparada do bolso, já com o maço bem preso e com prática, como se tudo que fizesse na vida fosse dar cigarros, abriu o maço com um dedo e o estendeu aberto ao homem. Ele vacilou, mas pegou, talvez pela barreira, que por nenhuma culpa dos dois, mas por extrema culpa de todos havia se criado.
-Tem fogo? – Ofereceu da forma mais educada possível o que cedia, como se para concertar alguma injustiça.
-Te...te...tenho sim- vacilou gaguejando o outro, e após alguns agradecimentos ininteligíveis, virou de costas e saiu andando.
Só agora um outro indivíduo entrava em cena, postura homossexual, também desconfiado, outro animal enjaulado, abordou o homem, o do cigarro. Enquanto esse se afastava, mas sempre olhando para os lados.
Ou é droga, ou pederastia. Pensou, na verdade soube, aproximou-se do lixo e apagou o cigarro em sua tampa, despejou a bituca dentro, não para não jogá-la no chão, apenas para observar mais um pouco os dois. Adentrou a estação arrastando a mala de carrinho, fazendo um barulho, que soava como a música da liberdade. Agradeceu ter novamente seus preconceitos, suas metas e suas certezas, sentou separado de todos, de frente para o vidro que o separava do terminal de embarque, abriu o pequeno caderno e começou a escrever, não conseguia mais entender sua própria letra, riu da ironia de um auto entitulado escritor não conseguir ler o que escreve. E pensou ser essa a paródia de toda a sua vida, era alguém que tinha as palavras, todas. Mas nunca aprendeu a ouvi-las, apressou-se a abrir a mala onde carregava sua vodka, suas roupas sujas e seu laptop.
Definiu o seu contraste com a sua volta, não importava, queria o contraste, não queria mais regras morais de não ostentação, pois era e sabia que era. Então escrevi isso que vocês estão lendo, só fui interrompido para embarcar após o chamado de, São Paulo, Jundiaí e Campinas, embarque das 6:45, plataforma 34 e agora, depois de passar a ponte e escutando dessa vez um chamado do vamos tentar ser felizes, não importa como. Vendo um lindo nascer do sol, dou o ponto final a esse texto e abro minha vodka, dessa vez e pela primeira vez em muito tempo para comemorar, talvez a última, talvez não, quem viver verá e eu no que depender de mim, o farei.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sonhos quais

Se todo mundo lesse aquilo que li,

Se todos vivessem aquilo que vivi,

A vida era reta. Eu teria certeza do certo,

A verdade discreta seria de certo concreta.


Teríamos na meta, a nova verdade vertente,

Com o grito eloqüente, confuso e profundo,

Exterminaríamos o imundo, o profano, o infeliz,

Assim que me diz, o autor oriundo do velho ano.


Mas não leviano, a crise da diferença que causaria,

Eu lhe diria, que leia, o que eu não li, e o que não escrevi,

Assim quem sabe, saia finalmente de onde não saí.


Foges de ti, você não sabe o que faz, nem você nem

Os seus iguais, não sorri, não chorais, pois aqueles quais,

Seus iguais, morreram sem saber, seus profundos ideais.

Epitáfio

Antes de ser alguém digno de se ter na mesa de cabeceira, quero ser alguém digno de se ter na cama.

Henrique aloha, por favor escrevam isso

Urro

O corpo em solo ermo, sem medida sem termo.

Inconsciente e tremulo, quase morto e apático.

Gritante decadência, que tem com a mídia indiferença.

E no corpo idiossincrático, versátil e caustico,


Caido no carpete, da sala suja. Na mão o canivete,

E dentro da esquete, o sangue grosso e escuro,

Escorre sobre o muro, das barreiras desiguais.

Tem verdades as quais, solta em gritado sussurro,


Mais ainda em alto urro, que talvez, o carpete

E mais ainda o canivete, somente saberão.

Porém agora e então, deitado no espaço,


Gélido e estático, encontra-se o Humano,

Das idéias soberano, que por suprema humildade

Cometeu a atrocidade, de fechar seu próprio pano.

sábado, 10 de maio de 2008

Mãe

Soneto dedicado a minha mãe, mas escrito de forma genérica para respeitar a idéia do blog.


“Amor de mãe dispensa merecimento,”*1

E não causa nenhum entorpecimento.

Mãe é a aquela primeira forma feminina,

Movida pela conhecida dose de ocitocina*2.


É a única pessoa que vai estar ao lado,

Até durante o problema ser enfrentado,

É o único realmente amor verdadeiro,

Que te guiará pelo seu conto inteiro.


É a pessoa que por mais longe que esteja,

Você saberá que é sua única companheira,

E terá isso como aquela única certeza.


Ajudará em tudo aquilo que você almeja,

Durante a infância ou até vida inteira.

Mesmo que raramente, ou nunca a veja.




*1 Adaptado de Erich Fromm, psicanalista alemão.
*2 Hormonio produzido pelo Hipotálamo, chamado pelos especialistas de hormônio do amor, responsável pela sensação de prazer da mãe quando tem seu filho.

Dedicado principalmente a minha, mas a todas as mães possíveis.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Álcool, nicotina e depressão

Eu apenas sinto, os sentimos jamais vão influenciar a minha razão e por mais que eu queira, o contrário também é verdade, a única grande fuga para o homem é conhecer a integração, deixar para o sentimento o que lhe pertence e para a razão o que lhe é escolha, a ilusão da opção é a única coisa que impede que a percepção se abra, a necessidade de livre arbítrio é o único grilhão do homem, aprenda a ser escravo e seja feliz.



Sem mais, pensem apenas.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Prosa & Poesia

Na prosa racional, ou no poema vertical, há quem diga que é tudo igual, mas não, poesia é emoção, é sensação enquanto a prosa raciocínio e concentração, poesia se escreve na distração, prosa não tem condição, poesia é presa nas normas, solta nas formas e leva a própria absolvição, prosa é solta nas normas, presa nas formas e leva a própria perdição. Poesia não se sabe o que se tem até se ter, prosa se tem para se fazer ter.
Na poesia desigual,
com toda a métrica,
Até na meio tétrica,
Com todas as rimas,
Se tem o sentimento,
E se tenta, na medida
Que aquele seu aumento,
Exploda a veia poética,
Vaze pela mão patética,
E atinja o papel.

Sinto muito

Não se pode querer que se sinta,
Por que se sente por se sentir,
Não sentimos apenas o que convir,
A verdade do peito não é sucinta.

Jamais haverá quem a desminta,
Jamais haverá quem não a sinta,
Haverá sim quem por pleno pudor,
Ou ainda mesmo por secreto amor.

Decida esconde-la, a verdade faceira,
Quem sabe por aquele trauma anterior,
Que nos faz, todos, abdicar do torpor.


E do peito aberto, jamais minto,
E como um quase extinto caçador,
Apenas sinto, sinto, SINTO.